domingo, 12 de setembro de 2010

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VISÃO DE MUNDO

            “Machado de Assis  nos conta a história de um canário que vivia em uma gaiola feia, num lugar sujo, entre os trastes de um velho armazém (desses de balcão que vendem toda a natureza de coisas). Um cidadão impressionado com o canto do pássaro entre tanta coisa morta, pergunta a ele se não sente falta do céu azul, ao que o pássaro lhe responde que não sabe o que é isso, que o seu mundo é aquela gaiola, e tudo mais é ilusão e mentira. O homem intrigado, resolve comprá-lo. Coloca-o numa gaiola branca, em uma varanda que dá para o jardim. Depois de algum tempo, pergunta-lhe o que é o mundo, e ele responde que o mundo é um grande jardim com flores e arbustos, e que tudo mais é ilusão e mentira. O homem adoeceu  e o seu empregado deixa o pássaro escapar. Tempos depois, passeando pelos arredores, ele vê o canário e torna a perguntar-lhe o que é o mundo para ele. O pássaro então, lhe responde que o mundo é o espaço infinito e azul com o sol por cima”.
            E, se esse pássaro fosse levado por um astronauta  ao espaço, o que diria?
            O conto de Machado de Assis  é semelhante ao Mito da Caverna de Platão. Ambos falavam da relatividade da visão do homem. A visão de mundo das pessoas varia de acordo com o que ouviram, o ambiente em que estão, os lugares que frequentam, os livros  que lêem, enfim, transpiram a sua realidade cultural imediata. Essa visão de mundo é a sua verdade e o resto é  ilusão e mentira. Os valores de uma sociedade se distinguem dos valores de outra. A verdade de um povo, de uma religião, de um partido político se distingue da verdade de outros povos, etc.
            Todo homem quer fazer de sua crença a verdade universal e impô-la aos demais. É o que acontece nas seitas religiosas e políticas. Existem, para esses  homens, só duas categorias de pessoas: os bons e os  maus. Maus são os que tem outra visão de mundo, de vida. Heródoto disse que, se lhes oferecêssemos a escolha de  todos os costumes do mundo, daqueles que lhes parecessem melhores eles examinariam a totalidade e acabariam preferindo os seus próprios costumes, tão convencidos estão de que esses são melhores de que todos os outros.
            Se a maior grandeza  dos atos humanos reside na busca de unir a humanidade, então,   tudo aquilo que divide os homens é um atentado as boas relações. Cada um está obstinado em absolutizar a sua visão. Isso acontece em matéria de religião, política, economia e tantos outros assuntos.
            Platão acreditava que o  aprofundamento intelectual do homem o faria sair gradativamente da obscuridade  para a luz. A erudição, necessariamente, não melhora eticamente o homem, mas lhe dá uma visão mais completa da  realidade. A ignorância pode ser comparada ao primeiro ambiente do canário   no conto de Machado de Assis,  há homens que nunca mudam de ambiente, não alteram seus hábitos, não diversificam ideologicamente suas leituras, repetem todos os domingos os mesmos ritos, no dia a dia estão fixos a mesma rotina...
            Esses são os prisioneiros da caverna, do mito de Platão. Vêem as sombras, e essas são a sua verdade; e o resto é ilusão e mentira.  Educam seus filhos nessa “Verdade”  e excomungam os demais que vêem a realidade de modo diferente. Uma outra  visão é coisa do mundo e do diabo.
            Eles se esquecem de que a sua metafísica não pode ser gabaritada. No  contexto da relatividade cultural, a crença (visão)  perde o seu caráter absoluto e, por isso, não pode ser imposta a ninguém. Cada um tem, pois, o direito de escolher e acreditar no que a sua consciência determina. De nada vale discutir ideologias, crenças...   Se todos se demonstram, todas também se opõem.
            É impossível que todos os  homens tenham a mesma visão ( a mesma crença, os mesmos  hábitos); por isso, a união entre os homens reside  na tolerância à visão alheia, porque nenhuma visão é completa.  Nossas certezas são apenas um balbucio torpe daquilo  que nos foi colocado  repetidamente na cabeça desde a infância. E, na medida que variamos de ambiente, de hábitos e  diversificamos   o nosso abastecimento intelectual, concluímos que a verdade é bem mais complexa e mais distante .   Essa percepção nos tornará  mais humilde  e mais  tolerantes à verdade alheia.