“A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças, que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade”. Carlos Drummond de Andrade.
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domingo, 12 de setembro de 2010
VISÃO DE MUNDO
“Machado de
Assis nos conta a história de um canário
que vivia em uma gaiola feia, num lugar sujo, entre os trastes de um velho
armazém (desses de balcão que vendem toda a natureza de coisas). Um cidadão
impressionado com o canto do pássaro entre tanta coisa morta, pergunta a ele se
não sente falta do céu azul, ao que o pássaro lhe responde que não sabe o que é
isso, que o seu mundo é aquela gaiola, e tudo mais é ilusão e mentira. O homem
intrigado, resolve comprá-lo. Coloca-o numa gaiola branca, em uma varanda que
dá para o jardim. Depois de algum tempo, pergunta-lhe o que é o mundo, e ele
responde que o mundo é um grande jardim com flores e arbustos, e que tudo mais
é ilusão e mentira. O homem adoeceu e o
seu empregado deixa o pássaro escapar. Tempos depois, passeando pelos
arredores, ele vê o canário e torna a perguntar-lhe o que é o mundo para ele. O
pássaro então, lhe responde que o mundo é o espaço infinito e azul com o sol
por cima”.
E, se esse pássaro fosse levado por
um astronauta ao espaço, o que diria?
O conto de
Machado de Assis é semelhante ao Mito da
Caverna de Platão. Ambos falavam da relatividade da visão do homem. A visão de mundo das pessoas varia de
acordo com o que ouviram, o ambiente em que estão, os lugares que frequentam,
os livros que lêem, enfim, transpiram a
sua realidade cultural imediata. Essa visão de mundo é a sua verdade e o
resto é ilusão e mentira. Os valores de uma sociedade se distinguem
dos valores de outra. A verdade de um povo, de uma religião, de um partido
político se distingue da verdade de outros povos, etc.
Todo homem
quer fazer de sua crença a verdade universal e impô-la aos demais. É o que
acontece nas seitas religiosas e políticas. Existem, para esses homens, só duas categorias de pessoas: os bons e os maus. Maus
são os que tem outra visão de mundo, de vida. Heródoto disse que, se lhes
oferecêssemos a escolha de todos os
costumes do mundo, daqueles que lhes parecessem melhores eles examinariam a
totalidade e acabariam preferindo os seus próprios costumes, tão convencidos
estão de que esses são melhores de que
todos os outros.
Se a maior
grandeza dos atos humanos reside na
busca de unir a humanidade, então, tudo
aquilo que divide os homens é um atentado as boas relações. Cada um está obstinado
em absolutizar a sua visão. Isso acontece em matéria de religião, política,
economia e tantos outros assuntos.
Platão
acreditava que o aprofundamento intelectual do homem o faria
sair gradativamente da obscuridade para a luz. A erudição, necessariamente,
não melhora eticamente o homem, mas lhe
dá uma visão mais completa da realidade.
A ignorância pode ser comparada ao primeiro ambiente do canário no conto de Machado de Assis, há
homens que nunca mudam de ambiente, não alteram seus hábitos, não diversificam
ideologicamente suas leituras, repetem todos os domingos os mesmos ritos, no
dia a dia estão fixos a mesma rotina...
Esses são
os prisioneiros da caverna, do mito de Platão. Vêem as sombras, e essas são a
sua verdade; e o resto é ilusão e mentira.
Educam seus filhos nessa “Verdade”
e excomungam os demais que vêem a realidade de modo diferente. Uma
outra visão é coisa do mundo e do diabo.
Eles se
esquecem de que a sua metafísica não pode ser gabaritada. No contexto da relatividade cultural, a crença
(visão) perde o seu caráter absoluto e,
por isso, não pode ser imposta a ninguém. Cada um tem, pois, o direito de
escolher e acreditar no que a sua consciência determina. De nada vale discutir
ideologias, crenças... Se todos se
demonstram, todas também se opõem.
É
impossível que todos os homens tenham a
mesma visão ( a mesma crença, os mesmos
hábitos); por isso, a união entre os homens reside na tolerância à visão alheia, porque nenhuma visão é completa. Nossas
certezas são apenas um balbucio torpe daquilo
que nos foi colocado
repetidamente na cabeça desde a infância. E, na medida que variamos de ambiente, de hábitos e diversificamos o nosso abastecimento intelectual,
concluímos que a verdade é bem mais
complexa e mais distante . Essa percepção nos tornará mais humilde
e mais tolerantes à verdade
alheia.
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